Disponibilização: Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 2011
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IV - Edição 892
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outra pessoa, que torna mediata a causa do indivíduo que realiza o ato inicial culposo.
Para
decidir
então
da
responsabilidade penal, torna-se necessário estabelecer qual tenha sido a verdadeira causa eficiente do acontecimento
danoso. Um farmacêutico fornece, sem receita médica, ácido sulfúrico a um indivíduo que disse querer servir-se desse ácido
para limpar as louças de cobre da cozinha e que, ao contrário, o bebe com fim suicida. O farmacêutico foi condenado, mesmo
em apelação, não só pela contravenção à lei sanitária, mas também por homicídio culposo. Eu obtive do tribunal da Cassação
que fosse anulada esta Segunda condenação, porque sustentei que a causa jurídica, isto é, eficiente, da morte não tinha sido o
ato contravencional do farmacêutico causa mediata mas a vontade do suicida, causa imediata.
Se, ao contrário, a
causa imediata não for a eficiente e decisiva, a responsabilidade respeita à causa mediata, como no exemplo apresentado por
Carrara ( § 1.095, nº 1 ), porque se o chefe de família leva para casa arsênico e distraidamente o põe na cozinha, onde a
cozinheira o deita na sopa, supondo que é sal, a causa eficiente do envenenamento não é o ato da cozinheira, mas o ato
imprevidente do dono da casa. Se a autoridade ordena o internamento de um indivíduo no manicômio com base em um certificado
médico falso ou errado, este é a causa mediata da providência adotada e a ele ( não à causa imediata da ordem de internamento
) diz respeito à responsabilidade dos danos injustamente produzidos àquele individuo. Muitas vezes, também a responsabilidade
pode respeitar tanto à causa mediata como à imediata, quando ambas tenham sido causa eficiente: por exemplo, se o proprietário
de um cavalo fogoso ou de um automóvel o empreste ou ceda a um indivíduo que ele não conhece como pessoa experiente de
cavalos ou de máquinas e este produza prejuízos. Então a culpa está no proprietário ( causa mediata) e no indivíduo que
conduziu o cavalo ou o automóvel ( causa imediata). ( grifei )( Princípios de Direito Criminal, O Criminoso e o Crime, 1ª edição,
Ed. Russel, 2003, pg. 402 )E como o mestre FRANCESCO CARRARA foi acima mencionado, cabe ser trazida sua lição a
respeito desta questão: A imputabilidade da culpa cabe tanto em relação ao homem que foi causa imediata, como em relação
àquele que foi causa mediata da infração, desde que nos respectivos atos concorram o elemento moral, deduzido da
previsibilidade, e o elemento físico, decorrente da positiva eficiência dos próprios atos. Mas a respectiva imputabilidade não
varia por ser a causa mediata ou imediata: está sempre submetida ao critério da previsibilidade; nem a responsabilidade de uma
exclui a responsabilidade da outra quanto aos efeitos penais. ( Programa do Curso de Direito Criminal, Parte Geral, Vol. 1, Ed.
LZN, 2002, pg. 201 )E tais ensinamentos aplicam-se ao caso em tela, pois mesmo não sendo apreendida a tal mamadeira da
vítima, sendo a ré a responsável pelos cuidados à vítima, após ter fornecido leite a ela, ao menos deveria regularmente observar
seu comportamento enquanto dormia, o que infelizmente não ocorreu.Assim, houve a inércia psíquica, a indiferença do agente
que poderia tomar as cautelas exigíveis, não o fazendo por displicência ( negligência ), presente no fato de simplesmente
colocar a criança para dormir, após ter lhe alimentado sem aferir se ela apresentava alguma modificação em seu comportamento.A
omissão não significa a conduta negativa, a inatividade, a inércia, o simples não fazer, mas sim o não fazer alguma coisa que
tenha sido ordenada. Enquanto o fazer é um acontecimento perceptível no mundo da realidade física, o não fazer não tem
existência materialmente detectável. A omissão é assim, um conceito normativo, não naturalístico e consiste na abstenção da
atividade devida, ou seja, na não realização de conduta positiva que o agente tinha o dever jurídico e a possibilidade de realizar
(Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, A Nova Parte Geral, 1987, pg. 238).E salutar a advertência feita por FRANZ
VON LIZT: Usamos, pois, de uma linguagem indubitavelmente inexata quando falamos em causar por omissão. Trata-se
somente de saber se a ciência deve conservar ou não essa linguagem comum. ( ... ) É porém preferível, a fim de evitar todo
equívoco, manter uma distinção precisa entre a comissão e a omissão na exposição científica. Muito mais importante do que
esta controvérsia de pura terminologia, bem como decisivo quanto ao modo de tratar prática e cientificamente os delitos por
omissão, é propor a questão corretamente. Não deve ela ser formulada nestes termos: quando a omissão é causal ? . E sim
deste modo: quando a omissão é ilegal ? quando o não impedir o resultado equivale a causá-lo ?. Ao modo incorreto porque a
questão foi proposta, deve a ciência alemã as conclusões insustentáveis a que chegou. (Tratado de Direito Penal, Tomo I, 1ª
edição, Ed. Russell, 2003, pg. 232 )Dessa feita, ainda que a defesa apegue-se ao fato de ter sido absolutamente regular o
comportamento da acusada, apenas havia na creche a vítima e outra criança com tenra idade, devendo ser redobrada a atenção
a eles, principalmente após ter sido fornecida a única alimentação que recebiam.Como prelecionava ANÍBAL BRUNO, na culpa
consciente, também chamada culpa com previsão, “o resultado é previsto pelo agente, embora este sinceramente espere que
ele não aconteça. A culpa com previsão representa um passo mais da culpa simples para o dolo. É uma linha quase imponderável
que a delimita do dolo eventual. Neste, o agente não quer o resultado, mas aceita o risco de produzi-lo. Na culpa com previsão,
nem esta aceitação do risco existe, o agente espera que o evento não ocorra’’ (‘’Direito Penal’’, t. 2º/92-93, Editora Forense, 4ª
ed., 1984).E esta culpa consciente era patente na conduta da ré, pois se porventura esperavam que o evento não ocorresse ou
não aceitava o risco causado, tinha previsão de que ele existia, uma vez que justamente tinha recebido a incumbência de
alimentar a criança e observar seu comportamento após a alimentação.Valendo-se ainda das lições do Prof. DAMÁSIO
EVANGELISTA DE JESUS, em sua obra Código Penal Anotado ( Ed. Saraiva, 9ª edição, 1999, pg. 64/65 ), verificamos que a
conduta da ré amolda-se exatamente aos requisitos exigidos para o reconhecimento da culpa consciente, pois sua vontade era
dirigida a um comportamento que teoricamente não deveria ter relação com o resultado, pois apenas cuidava da criança
enquanto a mãe trabalhava.A ré, obviamente, tinha uma crença sincera de que o evento não ocorreria, em face dos cuidados
que alegava tomar, com relação à vítima.Porém, ocorreu o chamado erro de execução, ou seja, ministrou leite em excesso e
não passou a observar o comportamento da vítima na sequência, para verificar se ela não se engasgaria com o alimento.E
ainda cumpre ser observado que a culpa na forma consciente guarda os elementos do crime culposo, entre eles, na forma
consciente, a inobservância do cuidado objetivo necessário, a previsão do resultado e a confiança sincera de que não ocorra,
tudo isto sendo encontrado na conduta desempenhada pela acusada.E salutar a lição do Prof. FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO:
“Do que foi exposto, percebe-se que o núcleo do crime culposo, do mesmo modo que o do doloso, é uma ação humana (ação ou
omissão). A diferença está na estruturação do tipo: no doloso, pune-se a ação ou omissão dirigida ao fim ilícito; no culposo, o
que se pune é o comportamento mal dirigido para o fim lícito”. (in “Princípios Básicos de Direito Penal”, 3ª ed., São Paulo:
Editora Saraiva, 1987, p. 281)Portanto, comprovado à saciedade o fato de a ré ter agido com negligência ao fornecer leite em
excesso, para criança com três meses de vida, sem observar na sequência o seu comportamento, após receber a alimentação,
fica estabelecido o nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta culposa da ré, sendo relevante sua omissão,
impondo-se-lhe o decreto condenatório.Na dosagem da pena, atento aos critérios norteadores do art. 59 do Código Penal, fixo
a pena base em seu mínimo legal, pois se tratam de ré primária e lhes são favoráveis as circunstâncias judiciais, ficando esta
pena base fixada em um ano de detenção.Tal pena deve ser a definitiva, diante da ausência de outras circunstâncias agravantes
ou causas de aumento ou diminuição de pena.Contudo, por atender aos requisitos legais e nos termos do art. 44 do Código
Penal, substituo esta pena detentiva pela restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária a ser realizada da seguinte
forma: Durante o prazo de um ano, contado a partir da audiência admonitória, deverá a ré prestar serviços a comunidade, na
forma a ser estabelecida pelo Juízo das Execuções Criminais.Caso descumpra as condições da pena restritiva de direitos,
iniciará o cumprimento da pena em regime aberto, tendo em vista sua primariedade e a quantidade da pena, ressalvada a
possibilidade de o Juízo das Execuções Criminais atribuir outras penalidades.Ante o exposto e diante de tudo o mais que dos
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º